
fuck yeah subversive kawaii
Ichigo, eu vi esse texto no blog da Lola falando sobre uma escola de princesas. No texto ela fala sobre essa questão de chamar as garotas de princesas, etiqueta, de querer se comparar a monarquia europeia e etc. O que você acha sobre isso? Já que a maioria das lolitas se inspira no vitoriano e rococó, inclusive no lifestyle, muitas são graciosas, gostam de seguir alguns princípios de etiqueta e comportamento, usam disso na decoração e no dia-a-dia e se denominam princesas como você. Eu acho tudo isso lindo, mas o texto mostra uma visão que meio que rebaixa as garotas que escolhem esse modo de vida, mesmo que não sejam lolitas.
- Jacqueline
Oi, Jacqueline! Muito obrigada pelo seu e-mail! Esse é um assunto que eu acho muito interessante. Já havia lido esse post da Lola (gosto bastante do blog dela!) e já li muitos outros que falam sobre as princesas de um ponto de vista feminista, a maioria de forma negativa, salvando-se apenas as princesas mais recentes como Mulan, Tiana, Rapunzel e Merida. É bem verdade que as princesas mais antigas representam um ideal feminino passivo e anti-feminista, onde as mulheres são frágeis e indefesas, e além de dependerem do príncipe para serem salvas as outras mulheres da história são sempre inimigas ou rivais, por isso eu não tenho como discordar desses artigos, mas também não posso achar que as princesas sejam de todo ruim. Muita gente sabe que eu gosto de princesas, mas talvez nem tantas pessoas saibam que eu sou uma feminista, e acho que uma coisa não anula outra.
Eu não acho que princesas sejam uma influência negativa, mas com certeza acho preocupante que sejam o único referencial de identidade de gênero das meninas, especialmente meninas muito jovens, que precisam tanto de exemplos e modelos. Há alguns dias atrás vi uma matéria chamada Princesas da Disney moldam feminilidade em crianças sobre uma pesquisa feita aqui mesmo no Brasil, que mostra bem como as princesas ainda influenciam as meninas e sobre a percepção do que é ser uma princesa. Além do típico padrão de beleza e comportamento, que eu já esperava, fiquei um pouco espantada pelas meninas reconhecerem como princesas apenas aquelas que se casam (!), citando um trecho da matéria: "indagada sobre o porquê Mulan não seria uma princesa, uma das crianças respondeu: 'Tia, para ser princesa precisa casar, né? Senão não vai ser princesa, vai ser solteira!'". Eu fiquei surpresa com isso porque, embora seja óbvio que associem princesas com a espera pelo príncipe encantado, não esperava que as crianças achassem que uma princesa só é uma princesa depois de atingir o objetivo do casamento. Acho que isso também reflete um pouco do que ainda é esperado de uma "mulher de verdade". Segundo a antropóloga que realizou a pesquisa: "As princesas da Disney carregam consigo um conteúdo que acaba funcionando como uma restrição a ideia do que é ser humano, enquanto mulher. É necessário garantir que a formação das crianças tenha também outros tipos de referenciais. A diversidade existe, e as crianças devem saber que não há apenas uma maneira de serem felizes, bonitas e aceitas." Acho que é exatamente esse o ponto: as crianças não podem ter apenas um único referencial e se prender tanto a apenas um padrão tido como sendo o ideal.
Eu fico um pouco chateada quando atacam tão ferozmente as Princesas Disney porque, poxa, eu cresci vendo filmes das Princesas e nem de longe acho que virei uma aspirante a dona de casa passiva cujo único desejo é encontrar o príncipe encantado para casar e ser a mãe dos filhos dele. Acontece que eu cresci assistindo as Princesas e brincando de bonecas e panelinhas, mas também jogando Mortal Kombat, lendo enciclopédias tão logo aprendi a ler, idolatrando A Família Addams e a Elvira e assistindo Power Rangers, Beakman e Pokémon religiosamente junto com o meu irmão. Eu tenho um irmão e primos com idades próximas a minha, então sempre foi comum brincarmos todos juntos, sem restrições rígidas de papéis e gêneros, o que acho que contribuiu bastante pra eu me sentir livre da obrigação de corresponder a um único padrão. Se eu tivesse crescido cercada apenas de rosa e com pais que insistem em me lembrar constantemente de que eu sou uma menina e deveria apenas gostar de "coisas de menina" eu poderia ter crescido para ser uma pessoa diferente do que eu sou hoje.

"Não deixe que ninguém faça você se sentir mal por ser quem você é."
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Sobre a moça que escreveu o post "rebaixar as pessoas que escolhem esse modo de vida", eu não vejo dessa forma. Acredito e até entendo que algumas pessoas podem considerar ofensivo, mas pra mim é a mesma coisa quando as feministas parecem desdenhar de donas de casa passivas e tal. Não é que desprezemos donas de casa, de maneira alguma, apenas repudiamos a ideia de que seja a única opção aceitável para uma mulher ser considerada "adequada" como, acredite, muita gente ainda pensa hoje em dia, assim como alguns assumem que toda mulher deve querer casar e ter filhos, e se você pensa diferente... oras, você é muito nova e ainda vai mudar de ideia (só que não). Então, resumindo, não acho que o que critiquem seja a escolha das pessoas (até porque o direito de escolha é algo maravilhoso!). Se uma mulher escolhe cuidar da casa ao invés de ter uma carreira, good for her, o problema é se isso for uma imposição, se ela for forçada pela família a largar o emprego ou algo assim (eu considero isso bizarro mas, de novo, acontece), assim como não é um problema gostar de se arrumar de determinada maneira e se comportar de acordo com etiquetas, mas sim precisar se arrumar e se comportar de tal modo mesmo contra sua vontade apenas para ser aceita e se encaixar num ideal que não te agrada nem te faz feliz. Eu sou muito feliz vivendo como eu vivo e acredito que ninguém teria qualquer objeção a isso (ou pelo menos não deveria ter), afinal foi uma escolha minha e não estou prejudicando ninguém :)
Sobre essa escola de princesas, acho ruim se for algo imposto pelos pais como pode parecer matricular as filhas numa escola para aprenderem como se arrumar e se comportar, mas também acho que se for do desejo da criança frequentar uma escola assim elas devem ser apoiadas, com o cuidado de sempre manter aberto um leque de opções onde a criança também possa observar outros modelos positivos. Isso me lembra um pouco os concursos de Pequenas Misses dos Estados Unidos (alguém já viu o programa? Passa no Discovery Home & Health). Vendo alguns episódios é possível perceber que algumas meninas realmente gostam dos concursos, do cabelo e da maquiagem, das roupas super produzidas e de fazerem suas apresentações no palco, mas outras tantas são visivelmente pressionadas pelas mães e aparecem chorando, não conseguem se mover no palco, brigam e tentam se livrar dos vestidos e coroas. Eu não acho errado uma menina querer ser princesa, mas acho errado fazer com que ela pense que é errado não ser uma.
Algumas pessoas acham meio estranho moças crescidas terem tanto apreço por princesas e até certo ponto eu entendo a preocupação, de verdade, mas acho que isso acontece porque não entendem nossas motivações. Eu diria que o conceito que leva crianças e lolitas (a maioria próxima dos 20 anos) a se auto-denominarem princesas são um tanto diferentes. Ainda há a preocupação com o modo de agir, mas mais do que ter etiqueta, ser uma princesa pra mim é ser uma boa pessoa, e tratar as pessoas com gentileza. Acho que isso é perceptível em The Princess Code e 5 maneiras de se sentir como uma princesa todo dia. Há o ideal de beleza, mas, ao invés de um único padrão, acredito que as princesas próximas dos 20 anos já tem consciência de que beleza não é um biotipo específico, existe beleza em negras, brancas, asiáticas, magras, gordas, baixas e altas. O artigo Em defesa das princesas resume bem o que significa "ser uma princesa" para mim. Um dos meus trechos favoritos desse artigo é o seguinte: "A palavra princesa se tornou sinônimo de heroína. E é isso que eu acredito que lolita faz pelas garotas: elas descobrem, ou talvez decidem, que elas serão as heroínas de suas próprias histórias."





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Não tem nada de errado em aspirar por uma vida melhor, não tem nada de errado em gostar de rosa, coroas e unicórnios e se imaginar de vez em quando num lugar diferente, mais mágico e mais agradável, mas por mais que eu considere saudável um pouco de escapismo, também acho que fugir constantemente da realidade não pode ser uma coisa boa. Por mais difícil que seja temos que nos conformar a acordar cedo, trabalhar, estudar, usar transporte público e pagar as contas, mas eu não acredito sinceramente que o fato de gostar de princesas impeça qualquer uma dessas coisas de serem feitas. Ninguém está esperando um príncipe chegue numa carruagem para não termos que pegar o metrô nem nada disso. Da mesma forma, não vejo nada de errado em uma garota que não gosta de rosa, maquiagem e salto alto, ou que prefere robôs a princesas. Nós só queremos um mundo com um pouquinho mais de cor, não só rosa, mas verde, roxo, vermelho, laranja, azul, amarelo, porque nem tudo no mundo precisa ser preto ou branco.
Peço desculpas se me empolguei demais ou fugi do assunto, mas espero ter respondido de forma satisfatória. Gostaria muito de ouvir suas opiniões sobre o assunto, então por favor me contem nos comentários :)